quarta-feira, 20 de abril de 2016

Dedicado aos autores dos assobios


«PIZZI, O ENTREGADOR DE BOM FUTEBOL

Há os óptimos jogadores e há os péssimos jogadores - toda a gente consegue identificar os últimos; depois, há os muito bons jogadores e os muito maus jogadores - quase toda a gente consegue identificar os últimos; por fim, há uma imensidão de jogadores que se situam no intervalo enorme que vai do mau ao bom - pouca gente consegue distingui-los porque não sendo geniais nem horrorosos ao longo dos anos vão fazendo coisas, boas e más, que a generalidade das pessoas percepciona de forma confusa: numas vezes gostam do jogador, noutras detestam-no.
Isto porque, de uma forma geral, apenas analisam o jogador como analisam o futebol: vêem a bola, os movimentos com bola, os passes, a recepção, o remate, se corre com ela da melhor forma, o que faz quando está com um adversário pela frente, se luta por ela disputa pelo ar, se faz muitos cortes, se é raçudo, se é rápido, se é forte. Vêem os erros e os acertos e depois traçam uma média que acabará por servir de mote à conclusão final.
Pizzi é um bom jogador visto pela maior parte dos adeptos como um mau jogador. Isto porque a maior parte dos adeptos não vê a maior parte das coisas que Pizzi faz em campo. Ou melhor: vêem-nas no sentido em que o seu corpo e os seus movimentos são observados pelos olhos dos adeptos mas não as vêem pelo ângulo de as compreender. Quando Pizzi propositadamente arrasta o lateral para terrenos interiores, deixando o espaço para a entrada do nosso lateral, não o vêem; quando Pizzi antecipa o metro quadrado onde vai cair a bola após uma disputa a 40 metros, não o vêem; quando Pizzi se passeia em bicos de pés pela linha da grande área, dando constantes apoios ao portador, não o vêem; quando Pizzi, rodeado por 3 ou 4, inventa (porque é, com Jonas e Gaitán, o mais criativo do plantel) soluções que nenhum dos adversários estava à espaços para, desequilibrando por completo a outra equipa, potenciar o golo, não o vêem; quando percebe o que Jonas vai fazer e puxa para a ala o lateral e o central adversários, permitindo que a defesa se abra e deixe mais espaços, não o vêem; quando muda rapidamente de flanco após ter criado a farsa de parecer estar mais interessado em trocar a bola curta com o lateral, não o vêem; quando muda de velocidade, quando simula, quando dá de primeira, quando recebe orientado, quando parece estar com Jonas e Gaitán noutro jogo só deles, não o vêem; quando antecipa o que vai acontecer no lado esquerdo e corre para finalizar 9 segundos depois no sitio aonde ele sabia que iria cair a bola, não o vêem; quando o ala adversário passou pelo nosso lateral e o Pizzi aparece-lhe por trás sem que ele o veja, não o vêem; quando o Renato se mete numa situação embaraçosa e só tem o pequeno Pizzi, que lhe acompanhou o movimento, a dar-lhe a janelinha por onde a bola pode seguir, não o vêem.
Só o vêem quando falha em frente à baliza (depois de ter criado ele próprio o espaço para que a oportunidade acontecesse); só o vêem quando falha um passe, quando atira uma bola curta que isola o adversário a minutos do fim. E chamam-lhe nomes, dizem até - não há limites para a boçalidade - que estava comprado pelo... Sporting para fazer aquilo.
Não o vêem ser o belíssimo entregador de futebol que ele é. No princípio do Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago, uma frase serve de porta mágica para a viagem: "Se podes olhar, vê; se podes ver, repara."»

É isto. Obrigado ao autor do post em  "Ontem vi-te no Estádio da Luz " ;)

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